O Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu os efeitos de liminar concedida pela 2ª Vara da Comarca de Aquiraz (CE) que determinou a interrupção do fornecimento de água e de energia elétrica para a construção do empreendimento Reserva Dunnas, bem como a comercialização ou propaganda de quaisquer unidades residenciais ou bens relativos ao projeto, que está sendo instalado na zona de proteção integral da Área de Proteção Ambiental do Rio Pacoti, em Aquiraz.
A construção do empreendimento está sendo contestada em ação cautelar e ação civil pública ajuizadas pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) e pelo Ministério Público Estadual e também em uma ação civil pública do Ministério Público Federal contra Helder Ferreira Pereira Forte e a Cameron Construtora Ltda. A Semace havia revogado as licenças concedidas e pediu o embargo da obra, em junho do ano passado, ao constatar que a instalação se dava em área de proteção ambiental.
Em primeiro grau, foi determinada a imediata suspensão de qualquer tipo de propaganda ou publicidade acerca do empreendimento Reserva Dunnas, seja matéria jornalística ou televisionada, seja por meio de panfletos, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. A decisão proibiu também a venda, doação, permuta e/ou transferência das unidades, bens ou quaisquer direitos concernentes ao empreendimento, sob pena de multa diária de R$ 500 mil, relativa a cada transação, além de suspender o fornecimento de água, esgoto e energia elétrica.
Essa decisão, contudo, foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do Ceará, fato que levou a Semace a apresentar pedido de suspensão de liminar e de sentença ao STJ. A entidade argumenta que a determinação do tribunal cearense contraria o interesse social, causando grave lesão à ordem pública. “Com efeito, ao suspender a decisão (...), o juízo a quo [o TJ] jogou sobre os ombros da sociedade o pesado fardo de arcar com as consequências da degradação do bioma do Rio Pacoti, o qual já se encontra combalido ante os inúmeros empreendimentos construídos em uma área por demais frágil e sensível”.
Ao deferir o pedido formulado pela Semace, o presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, destacou que, em matéria de meio ambiente, vigora o princípio da precaução, que, em situações como a dos autos, recomenda a paralisação das obras porque os danos por elas causados podem ser irreversíveis caso a demanda seja, ao final, julgada procedente. Os efeitos da decisão do tribunal cearense ficam suspensos até que seja julgado o agravo de instrumento em que se discute a quem compete julgar a causa.
A decisão do presidente do STJ foi publicada esta semana no Diário da Justiça Eletrônico, abrindo-se, a partir daí, o prazo para a interposição de recurso.
Processo nº SLS 1323
Leia, abaixo, a íntegra da decisão:
"Superior Tribunal de Justiça
SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.323 - CE (2010/0216243-1)
REQUERENTE : SUPERINTENDÊNCIA ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE -
SEMACE
PROCURADOR : MÁRCIO BENÍCIO E OUTRO(S)
REQUERIDO : DESEMBARGADOR RELATOR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NR
463765620108060000 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO CEARÁ
INTERES. : HELDER FERREIRA PEREIRA FORTE
INTERES. : CAMERON CONSTRUTORA LTDA
DECISÃO
1. Os autos dão conta de que a Superintendência Estadual do
Meio Ambiente - SEMACE e o Ministério Público Estadual ajuizaram
ação cautelar preparatória, com pedido de medida liminar, contra
Helder Ferreira Pereira Forte e Cameron Construtora Ltda. para
suspender o andamento de empreendimento imobiliário instalado em
área de proteção ambiental.
A MM. Juíza de Direito Dra. Maria Valdileny Sombra Franklin
deferiu a medida liminar para determinar:
"7.1. A suspensão imediata de qualquer tipo de propaganda ou
publicidade acerca do empreendimento "Reserva Dunnas", seja
matéria jornalística ou televisionada, seja através de panfletos,
sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais);
7.2. A proibição de venda, doação, permuta e/ou transferência
das unidades, bens ou quaisquer direitos concernentes ao
empreendimento "Reserva Dunnas", sob pena de multa diária no valor
de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por cada transação;
7.3. A suspensão de qualquer serviço, seja de água ou esgoto,
ao empreendimento em questão;
7.4. A suspensão de qualquer serviço referente à energia
elétrica ao empreendimento em tela" (fl. 68).
Os requeridos suscitaram a incompetência do juízo, que não foi
reconhecida à base dos seguintes fundamentos:
"Com efeito, este Juízo possui competência absoluta para
processar e julgar a presente Ação Cautelar, preparatória à Ação
Civil Pública, eis que se trata de suposto dano ambiental ocorrido
na localidade de Porto das Dunas, comarca de Aquiraz, CE, em
virtude do empreendimento "Reserva Dunnas" situar-se, quase
integralmente, em Zona de Proteção Integral da Área de Proteção
Ambiental (APA) do rio Pacoti.
Oportuno destacar que o alegado dano ambiental não ultrapassou
os limites desta comuna, não sendo cabível a modificação da
competência pelo critério da prevenção.
No que concerne à Ação Civil Pública interposta pelo
Ministério Público Federal em face dos réus, do IBAMA e da SEMACE
(autos nº 2008.81.00.006193-7), convém esclarecer que a causa
petendi não é idêntica à da presente ação, porquanto o cerne da
questão gira em torno do empreendimento localizar-se em
ecossistemas do Bioma Zona Costeira (Área de Preservação
Permanente), caracterizando constitucionalmente como patrimônio
nacional.
Na hipótese do presente feito, a competência da Justiça
Federal só seria firmada em existindo interesse da União, de
entidade autárquica ou de empresa pública federal, conforme dispõe
o artigo 109, inciso I, da Constituição da República, porquanto o
suposto dano ambiental não atingiu mais de uma unidade da
federação.
Quanto aos mandamus impetrados pelos promovidos (autos nº
144485-48.2009.8.06.0001/0 e 3994-54.2010.8.06.0001/0), também não
há identidade da causa de pedir, porquanto os writ versam acerca da
ilegalidade dos autos de infração lavrados pela SEMACE, requerendo
os impetrantes a sustação dos efeitos de tais atos administrativos"
(fl. 72).
Seguiu-se agravo de instrumento (fl. 37/64), ao qual o relator
Desembargador José Mário Dos Martins Coelho atribuiu efeito
suspensivo (fl. 27/36).
Lê-se na decisão:
"Dessarte, a primeira matéria indicativa à uma criteriosa
persecução de todos os elementos fáticos e jurídicos envoltos ao
caso, remete a possibilidade de haver incompetência absoluta do
juízo agravado, quando delibera em lide cuja matéria está sob a
jurisdição da Justiça Federal, conforme processo e vara indicados
pelos agravantes. Este assunto, inclusive, está sendo debatido em
incidente declinatório de foro, demonstrado por reprodução
fotostática às fl. 165/171.
Com efeito, a presença de exceção de incompetência em juízo,
para se deslocar o feito para outro juízo, tem por consequência a
suspensão do feito e da respectiva decisão liminar, consoante
previsão do art. 265, inciso III.
.........................................................
Entretanto, além desta clara orientação dogmática, é certo que
a parte agravante anexou, à fl. 173, certidão comprobatória da
existência da Ação Civil Pública atinente ao objeto da demanda da
qual se levanta este recurso de agravo, existindo, por assim dizer,
dois juízos tratando da matéria, ocorrência que desponta, a priori,
como não convinhável para a correta prestação jurisdicional. Neste
campo, forçoso anotar que a decisão em contumélia, à fl. 41/44, faz
juízo acerca da competência do juízo agravado, para conhecer do
tema, olvidando a regra da Súmula 150, do excelso Superior Tribunal
de Justiça.
Neste diapasão, lembro que as regras de competência encerram
matéria de ordem pública, de modo que somente ao cabo da solução
deste tema poder-se-á dar cumprimento a medidas liminares, cuja
exceção conduz a invencível urgência, não vislumbrada no caso,
porquanto é possível, ao final, a plena concessão da pretensão
postulada.
Por outro lado, melhor se examinar, em primeiro lugar, a
presença da ilegitimidade ad processum decantada nas razões
recursais, para somente em fase posterius, se dar cumprimento da
ordem liminar, a fim de não ocorre no feito, quando do julgamento,
a verificação de ausência de condições da ação, levando à carência
genérica.
Por derradeiro, a documentação de fl. 176/198 demonstra a
presenta de embate administrativo, ainda não solucionado. A isto se
assoma a notícia de que os Decretos Estaduais nº 25.777 e 25.778,
por força de medida antecipatória dos efeitos da tutela, lançados
no processo nº 75950-58.2009.8.06.2001, em curso perante a 3ª Vara
da Fazenda Pública de Fortaleza, receberam sobrestamento.
.........................................................
Ora, ictu oculi, verifica-se que as medidas concedidas,
mormente a suspensão dos serviços públicos básicos, poderá resultar
em prejuízo à parte agravante, sendo razoável se paralisar as
medidas de primeiro grau ara se alcançar no processo uma escorreita
aplicação do direito.
.........................................................
Sob esse entendimento, penso que sobrestar, neste momento, a
decisão em contumélia, mormente até a decisão da exceção de
incompetência, é o caminho mais acertado para se solucionar o
assunto" (fl. 30/36).
2. Daí o presente pedido de suspensão, articulado pela
Superintendência Estadual do Meio Ambiente - SEMACE, destacando-se
nas respectivas razões os seguintes trechos:
"... a decisão liminar que atribuiu efeito suspensivo ao
agravo de instrumento interposto pelos ora requeridos contraria o
interesse social causando, indubitavelmente, grave lesão à ordem
pública. Com efeito, ao suspender a decisão que proibira a
veiculação de publicidade relativa ao empreendimento denominado
"Reserva Dunnas", bem como a alienação de qualquer unidade do
referido condomínio, além de suspender o fornecimento de água e luz
a fim de provocar a imediata paralisação de todas as atividades
atinentes à obra que se encontrava em estado avançado de instalação
dentro da Área de Preservação permanente da APA do Rio Pacoti, o
juízo a quo jogou sobre os ombros da sociedade o pesado fardo de
arcar com as consequências da degradação do bioma do Rio Pacoti, o
qual já se encontra combalido ante os inúmeros empreendimentos
construídos em uma área por demais frágil e sensível.
.........................................................
Conforme já exaustivamente explanado, as licenças concedidas
aos requeridos foram expedidas em gestão anterior da SEMACE e,
ressalte-se, totalmente ao arrepio da Lei. Foram constatados vícios
de ordem formal (licenciamento processado em apenas quatro dias;
concessão da licença antes da apresentação do Estudo de Viabilidade
Ambiental - EVA, estudo esse absolutamente imprestável para o caso,
já que o porte do empreendimento exigia um EIA/RIMA e não um mero e
simples EVA) e material (empreendimento instalado na Área de
Proteção Permanente da APA do Rio Pacoti, portanto, em área não
passível de edificação).
Quanto ao vício formal apontado no parágrafo anterior,
importante sublinhar que o objetivo perseguido pelo ordenamento
jurídico ao determinar a ordem dos acontecimentos - primeiro a
apresentação do estudo, depois a concessão/denegação da licença - é
dar ao Poder Público uma base séria de informação, de modo a poder
pesar os interesses em jogo quando da tomada da decisão. O EIA/RIMA
constitui instrumento único da análise da degradação potencial e
significativa do meio ambiente, por determinação cogente do
legislador constituinte originário (art. 225, § 1º, IV, da
CRFB/88), sendo absolutamente inaceitável sua substituição por
estudo menos complexo (simples e mero EVA). Essa exigência não se
trata de formalismo cego e imotivado; pelo contrário, é o uso da
forma como garantia do exercício da liberdade de viver num ambiente
sadio e de harmonia entre os seres.
Nestes termos, consoante também já dissertado, as licenças
foram anuladas em face da sua inconstetável ilegalidade, tudo com
fundamento na proteção ao meio ambiente, arrimada no artigo 225 da
CF/88 e na legislação ambiental correlata. Destarte, observa-se com
clareza solar que os requeridos querem a qualquer modo e custo
sustentar a legalidade do licenciamento para concluir o
empreendimento e entregar as unidades residenciais aos eventuais
compradores, o que poderia inviabilizar a demolição da obra, em
decorrência da teoria do fato consumado e das demais repercussões
decorrentes de tal situação. Permitir a efetivação/conclusão de um
empreendimento nessas condições é praticar amplo deserviço ao
direito ambiental local.
Nunca é demais lembrar que o meio ambiente equilibrado é
direito fundamental de terceira dimensão, erigido pela Carta Magna
a essa condição. Não é, então, a melhor medida deixar o dano ao
meio ambiente se consolidar para depois tentar revertê-lo. Atende
ao princípio da proporcionalidade (lato sensu) não permitir que o
empreendimento seja finalizado e habitado, formando relações
jurídicas ainda mais complexas, restando à população cearense o
mero ressarcimento pecuniário do dano ambiental, ressarcimento
este, ressalte-se, que deve demorar a ocorrer, diante da
complexidade de se fixar a extensão da degradação ambiental.
Nessa toada, revela-se patente o periculum in mora reverso da
atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto
pelos requeridos junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.
Assim, estará irremediavelmente consolidando-se o dano ambiental em
área de preservação permanente, fato de caráter irreversível e de
graves consequências para todo o ecossistema da APA do Rio Pacoti"
(fl. 12/16).
3. O presente pedido de suspensão ataca decisão que, em razão
da existência de controvérsia a respeito da competência do Juízo,
atribuiu efeito suspensivo ao agravo de instrumento. O efeito desta
decisão é o de autorizar a continuidade de obras de empreendimento
imobiliário que, por estar em área de proteção ambiental, é objeto
de ação cautelar e ação civil pública ajuizadas pela
Superintendência Estadual do Meio Ambiente - SEMACE e pelo
Ministério Público Estadual, e também de ação civil pública
ajuizada pelo Ministério Público Federal, embora com causa de pedir
distinta.
Em matéria de meio ambiente, vigora o princípio da precaução
que, em situações como a dos autos, recomenda a paralisação das
obras porque os danos por elas causados podem ser irreversíveis
acaso a demanda seja ao final julgada procedente.
Defiro, por isso, o pedido para suspender os efeitos da
decisão proferida pelo Desembargador José Mário dos Martins Coelho
nos autos do Agravo de Instrumento nº 46379-56.2010.8.06.0000/0 até
o julgamento do recurso.
Comunique-se, com urgência. Intimem-se.
Brasília, 10 de janeiro de 2011.
MINISTRO ARI PARGENDLER
Presidente
Documento: 13615568 - Despacho / Decisão - DJe: 01/02/2011
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